domingo, 22 de novembro de 2009

Um fim oculto sem amigo secreto


- Vamos brincar de amigo secreto!
Diz a colega de classe ao seu parceiro de atividades acadêmicas.
- Qual o valor?
Pergunta o colega preocupado com seu mísero 13° salário que já parece comprometido com os inúmeros presentes de amigos secretos.
Pensei na sutileza dessa cena. Senti-me entrusa naquela turma. Senti-me só. Por um momento tive uma ponta de inveja daquele colega que teria comprometido seu 13° salário com bugigangas. Por que inveja? Eu nunca gostei de amigo secreto. Aliás, eu sempre odiei amigo secreto. Nunca pertenci àquela pequena margem que leva sorte, aqueles que dão um chaveiro escroto e recebem um bom DVD, um livro interessante... Resignei-me, embora a pergunta não desocupasse meus pensamento - Qual o valor? - qual seria o valor de um amigo secreto.
Fim de ano, pessoas se reunem com aquele espírito de que um calendário tivesse o poder de renovar energias, reconstruir passados, proporcionar novas aspirações. Talvez uma bobagem, talvez uma grande ilusão.
Mais um fim de ano, não brincarei de amigo secreto, não participarei de confraternizações de turma, não terei de quem sentir raiva pela hipocrisia das falas de um ano bom, não terei a quem perdoar nesse final de calendário sabendo que terei bons motivos para ignorá-la nos próximos meses que inauguram o próximo. Não vou beber dizendo que apesar de tudo valeu a pena, não me jogarei na piscina embriagada abraçando meu melhor amigo, não chorarei pensando no que vai deixar saudades. Isso tudo porque não há melhor amigo, e não há melhor amigo porque não há turma e por não haver turma percebi que o valor do amigo secreto não está nas cifras que o representam, mas nos laços estabelecidos, no bem simbólico que ele significa.
- Vamos brincar de amigo secreto!
Disse hoje aos meus livros de cabeceira e a alguns que me acompanharam obrigatoriamente nas atividades acadêmicas. Minha proposta ecoou no silêncio. Nenhum dos meus companheiros perguntou qual o valor. Diante da solidão da Ilha, do isolamente que arrebata a vida universitária, conheci-os intimamente, devidos suas amostras de parceria e cumplicidade ouso arriscar: acho que eles toparam.

Não esperava falas, nem gritos, nem gestos, nem mesmo palavras, porque "assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo"(Mia Couto).

Fim de semestre, palavras nuas.

Débora Corrêa.